quinta-feira, 27 de março de 2014

Raul Seixas 9 - O Dia em que a Terra Parou (1977)

Oi, eu sou o Salinas! O Dia em que a Terra Parou foi o primeiro álbum do Raul depois de mudar para a gravadora WEA. Seja por isso ou porque ele queria mudar mesmo, o fato é que o som começou a se diversificar mais, com duas faixas caindo para o funk. (não, não o pancadão, e sim o verdadeiro funk original. Produção, tem que explicar toda vez mesmo?)

Agora sem o Paulo Coelho, que levava tudo pro lado mais místico, Raul acaba compondo de uma forma mais pé-no-chão. Anos depois de sua prisão, já consagrado, e com a própria ditadura já em declínio, ele se sente mais seguro pra voltar a atacar politicamente. A crítica não gostou, mas o público sim!

Uma curiosidade pro pessoal mais novo, que não pegou a época dele vivo: foi só a partir deste disco que Raul passou a ser conhecido como o Maluco Beleza, por causa do hit.

"Tapanacara"

Raul entra com o pé no peito, com ninguém menos que a sensacional Banda Black Rio reforçando. Aí já viu, baixão nervoso, metais pra todo lado, viradas de batera, tem de tudo! Já a letra é uma salada, considerada uma das mais difíceis de entender. O fio condutor é uma resposta meticulosa a quem o atacava, muito provavelmente Caetano Veloso. Existia (e existe até hoje) um antagonismo claro entre os artistas, que se reflete até hoje nos respectivos "públicos": de um lado os tropicalistas e o pessoal da MPB e ~bosta nova~, e do outro os rockeiros ~americanizados~, incluindo Raul. Até hoje as "tribos" não se bicam muito, mas hoje isso é cada vez mais papo de velho (e ainda bem). E Raul dá o troco, afirmando sua brasilidade através do araçá (que reforça a referência ao Caê), coentro, cachaça e berimbau, depois fazendo um paralelo com Randolph Scott (que era bissexual - para a época, um exemplo bem pejorativo), mas que apesar disso era "cowboy arretado", e Touro Sentado, outro fodalhão lá de cima. Em seguida fica mais clara a alusão ao Caê e sua canção Odara, que em plena ditadura falava de paz e tranquilidade, um insulto para o Raul. E ainda, até meio apaziguador, aproveita pra mandar um abraço pra bossa-novista Nara, elogiando sua voz quando a chama de "prima donna de Raul". Por fim, reconhece que pegou pesado nas indiretas: "Procure, que você vai entender". Enfim, foi um episódio de muitos no imenso fla-flu político, cultural, ideológico, e por que não futebolístico, que insiste em ficar botando na bunda do Brasil. Ufa!

"Maluco Beleza"

Outro da lista de clássicos imbatíveis. Assim como em Metamorfose Ambulante, Mosca na Sopa, Ouro de Tolo, e outras, Raul tenta "se explicar", em sua loucura e seu jeito sui-generis. Tenta viver a vida de forma leve, sem grandes expectativas, um caminho que "é tão fácil seguir, por não ter onde ir", enquanto os outros se esforçam para ser o que não são. Seria um P.S. pro Caê?

"O Dia em que a Terra Parou"

Aqui Raul tenta imaginar como seria se o mundo interrompesse sua rotina mecânica. Uma alegoria para indicar a fragilidade do "individualismo" dos dias atuais, já que todos dependem de todos. Mas também tem uma leitura mais política, quando um toque de recolher geral se transforma numa gigantesca greve, assim como as greves que começavam a pipocar por todo o País, incomodando o capital e por extensão, a ditadura.

"No Fundo do Quintal da Escola"

Agora um rockzinho mais animado, afinal o Raul não deixa de ser rockeiro por ser brasileiro! Outra faixa introspectiva, ele confronta sua atitude diletante com a dos demais que apenas seguem o ~senso comum~, comparando-se aos meninos "batendo uma bola" enquanto ele ia pro "fundo do quintal da escola". Aí passados anos, aqueles meninos ficam "se perguntando" sem nada entender enquanto ele sabe direitinho o que que tá rolando. Quase uma alegoria, mas não: de fato a escola é um dos grandes venenos que desde cedo dão pra gente tomar, assim como o futebol, a novela das 8, o cinema, o vídeo-game, a comida industrializada...

"Eu Quero Mesmo"

Outro rockzinho, e Raul se declara, não só ao rock "iê-iê-iê", mas também, claro, à Glória Vaquer, então sua esposa.

"Sapato 36"

Outra que os milicos olharam, não entenderam bulhufas e deixaram passar. Pensaram que Raul tava mandando uma cartinha pro pai por causa de um mísero sapato... levaram um esporro e não perceberam. "Você só vai ter o respeito que quer / Na realidade / No dia em que você souber respeitar / A minha vontade".

"Você"

Outra faixa linda, em ritmo latino, baixo carregando a harmonia com uma caminha de strings lá atrás. Percussão suave. De novo Raul volta pro tema do conformismo, questionando diretamente "você", sim você, você mesmo que está aí lendo. Por que é assim conformado? Por que aceita essa sua vida de merda? A responsabilidade, ou a "culpa" se preferir, por você estar aí onde está, insatisfeito, não é dos outros, nããão... a culpa é sua!! "Por que você faz isso com você?"

"Sim"

...e responde na canção seguinte. Num tom compreensivo, paternal, humano, com aquele fundo triunfal quase religioso, Raul entende que no fundo só buscamos o que é melhor, ou antes, o que achamos ser o melhor. Por maior que seja o erro e a ignorância, por trás de tudo existe a intenção, sempre o bem. E sem pensar na consequência, no custo de tudo que suportamos, dizemos essa palavra, que abre tantas portas e caixas de Pandora.

"Que Luz É Essa?"

Uma entrada no violão que pra mim soa quase progressiva. Raul esperançoso vê uma luz no fim do túnel! Será o fim da ditadura? Pode ser, no final dos 70's já apareciam rachaduras. Seria a Sociedade Alternativa? A volta do Messias? Zion? Ou apenas o início de uma nova era ~genérica~ de paz, elevação e entendimento? Nunca saberemos, mas o certo é que pra mudança chegar tem que acontecer alguma coisa. Pode até vir de fora, mas é melhor quando começa de dentro, na cabeça de cada um. Independente de religiões: "Num tem certo nem errado / Todo mundo tem razão / E que o ponto de vista é que é o ponto da questão!"

"De Cabeça-pra-Baixo"

Pra fechar o disco, outra incursão no funk. Raul imagina uma cidade onde tudo está de cabeça pra baixo, mas paradisíaca. Ou seja, é o nosso mundo real, áspero e grosseiro, que está todo errado! Mais uma vez, não temos que aceitar o mundo tal como ele é: seus defeitos não são nenhuma "ordem divina" ou superior, e sim desafios a serem corrigidos!

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:



E é isso!

3 comentários:

  1. Raul se superou nesse disco. Quando parecia q nada mais superaria o sucesso e o brilhantismo das últimas canções, ele ataca com esse disco genial, cada vez mais filosófico e crítico.

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  2. Este blog é sensacional. Só acho que a cidade de cabeça pra baixa é uma referência à sociedade alternativa. O advogado seria o não-advogado. O policial seria o nao-policial, como Raul explicou ja em entrevista. A "Ninguem precisa fazer nenhuma coisa que não tenha vontade". É o mundo utopico e anárquico que o Raul sonhava.

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