domingo, 27 de abril de 2014

Sérgio Sampaio 1: "Eu quero é botar meu bloco na rua", 1973

É no ano de 1973, no Rio de Janeiro, que Sérgio Sampaio lança seu primeiro disco, "Eu quero é botar meu bloco na rua", pela Philips carioca, em plena ditadura militar, plena "tropicália tardia", emergindo junto com outros grandes gênios que se lançavam então, como os Novos Baianos, o lunático Walter Franco, Jards Macalé, Fagner, entre muitos outros. O começo dos anos 70 fervia com o debate político, vários militantes e artistas presos e exilados, experimentações em todas as artes, o movimento hippie que finalmente tinha chegado com força, enfim, um cenário maluco em que o capixaba Sérgio foi se meter, sendo locutor de rádio, no Rio.


Foi logo após gravar com os "Kavernistas", se apresentar no FIC-72, e lançar em compacto seu primeiro e maior sucesso (a própria "Eu quero é botar meu bloco na rua"), que Sampaio chama atenção da Philips, mesmo já tendo gravado alguns EPs até aquele ano. E junto com o grande hit ele nos presenteia com mais 11 canções, sendo apenas uma interpretação, todo o resto autoral. É um disco bem diversificado, mas que segue a linha "psicotropicalista" da época, misturando rock pesado com ritmos nacionais, fazendo experimentações com efeitos sonoros, sintetizadores, e tudo mais. O mais incrível é que Raul Seixas também assina a produção e os arranjos com Sérgio, e na banda ainda tocam Renato Piau (do Baiano e os Novos Caetanos) na guitarra, o lendário baterista Wilson das Neves e os virtuosos do grupo Azymuth, Alex Malheiros no baixo, Ivan "Mamão" na bateria e Zé Roberto Bertrami (infelizmente, já falecido) nas teclas. Melhor ainda: tudo extremamente bem gravado, bem produzido, qualidade de captura impecável. Viva Raul!

Com toda essa galera tocando, o disco não poderia ser no mínimo GENIAL. E é mesmo, em diversos aspectos. Primeiro pela escolha de um repertório bem eclético: do rock ao samba,  do blues ao bolero, baladas, choro e a marcha-rancho da faixa título. Os arranjos são sensacionais, bem em sintonia ao que se fazia na época, bastante bateria e baixo, percussões geniais, guitarra muito bem colocada, diversos timbres de sintetizadores, etc. E por fim, mas não menos genial, as composições do Sampaio, que desde então já mostra o talento que tem pra compôr. As letras são super bem sacadas, variando entre a crítica política, a ironia da vida, a saudade, o amor, a nostalgia, e diversos outros temas que o jovem Sérgio abordava. O disco começa por um bolerão:

O baixão dinâmico predomina. O piano entra pra complementar a harmonia, junto com um violãozinho choroso, solando. Uma flautinha bem suave entra ocasionalmente só pra massagear os ouvidos (ainda tenho dúvidas se é mesmo uma flauta ou um timbre de sintetizador... tsc tsc). O mais bacana é ouvir Sérgio fazendo duo consigo mesmo, dobrando a faixa de voz, contrapondo duas linhas melódicas, cantarolando, balbuciando, se divertindo, enquanto o fade silencia a faixa. Excelente arranjo. Essa faixa ainda tem um tipo de “easter egg”: que raio de barulhinho é aquele aos 43 segundos? Na letra, acredito que basicamente Sérgio está falando aqui do lhe dá prazer: um belo bate papo e música, e principalmente de aproveitar esses “pequenos/grandes” prazeres, porque um dia chagará o dia do “encontro com Deus”.

Começa com um violão e uma bateria crescendo, enfim uma explosão “épica”, o som já diz a que veio, será forte, pesado, tempestuoso. É um rock, bebê! No melhor estilo psicodelia hard rock de bandas como o Cream e o Led Zepellin (nos primeiros discos). O teclado dá lugar a uma guitarrinha wah-wah, soando praticamente a música toda e o baixão continua ágil e dinâmico, com linhas melódicas geniais. O refrão é menos pesado e dramático, é mais positivo, “leve”, uma espécie de alívio. Esse contraste dá  toda a beleza pra canção. E afinal, que filme de terror é esse, em que temos que tomar cuidado ao sair de casa, que dura o ano inteiro? Talvez a terrível realidade da ditadura militar? O refrão explica: “No chão do cinema Império da Tijuca, Cemitério do Caju”. É um filme que certamente tem mortes, muitas mortes.

Essa canção na realidade é uma composição do pai do Sérgio, Raul Sampaio, um daqueles clássicos samba-crônica, onde o cidadão comum reclama da mulher, do seu temperamento, enfim. A primeira referência a família está aqui, outras aparecerão. Essa, aliás, foi uma das faixas que teve algum impacto na época. Sérgio começa num duo com um sintetizador (não parecem onomatopeias de desenho animado?!), que, aliás, vai acompanha-lo em diversos momentos da canção. Muito curiosa essa mistura. Um sambinha daqueles bem roots, com direito a cuíca e tudo mais, e um sintetizador ridiculamente melancólico. É uma mistura no mínimo genial. A simples introdução desse “elemento estranho” causa um efeito  único.  Repare bem na relação da letra com os momentos em que o synth toca. Sacou o que ele representa? rs

Um som bem mais tranquilo, o piano predomina aqui, o sintetizador também marca presença forte, consoante com a melodia principal e, além disso, tem belos trechos de orquestra de cordas. O baixo também sossega, mas não menos genial. Os arranjos e sua poética dão todo o contexto pra leitura da letra, sublinhando toda a empatia, a fragilidade, o drama, a dor, o amor. A letra, novamente, tem ligação com seu pai, e com a família, sua história de vida, sua infância, seus dramas mas também sua independência, a conquista de um coração que não é “de vidro” e a paz encontrada na aceitação da morte. “Não ligue que a morte é certa, Não chore que a morte é certa, Não brigue que a morte é certa”.

Essa começa lá em cima, com metais berrando e uma frase muito doida no sintetizador. Logo o violão e a levada do baixo sugerem um tango. Depois o som cai, e se transforma, 4 por 4, rock’n’roll, a levada logo muda, é loucura, psicodelia pura. Volta a tal frase maluca. Quebra. Enfim. Bem dinâmico com arranjos geniais de piano, guitarra e tudo mais. De quebra ainda tem mais orquestra de cordas num fraseado doido, que morre de um jeito bem “weird”, rs. GENIAL. Mas que raios afinal é esse Labirinto que espalha desesperança? Não sei, mas tenho uma leve intuição de que novamente o tom aqui é político.

Mais uma balada suave, com piano no topo, com o baixo contrapondo lindamente, numa dança linda. Incidentalmente, em momentos bem específicos, as cordas dão seu recado. Muito bem encaixado, lindo. Apesar de no geral ser tranquila, tem seus picos de intensidade, é sensível mas também enérgica, e termina num fade que silencia um instrumental  veloz e com pegada forte. Outra letra que pra mim é um imenso mistério, foi mau galera... Rs. Alguma ideia? Comenta ai, por favor!

Mais um som viajandão (isso é ou não é um trocadilho?). Já começa com uma bela “tragada”. A letra é bem isso mesmo, fuga, movimento, cenas surreais, a “caretísse” da família, enfim. Esse “trem era bão”, com certeza absoluta. O sintetizador mais uma vez é peça chave, e já inicia mostrando a que veio. A base da harmonia está no violão e no baixo, que também ditam o andamento, já que as percussões são mais espaçadas, mais pratos que tambores. E o sintetizador lá, brincando de inventar timbres, navegando no espaço infinito das sínteses eletrônicas. Os cellos também tem participação especial nessa faixa. A voz do Raul contrapondo a do Sérgio é um presente dos deuses da música tupiniquim. E quem é “ela que ontem teve por lá”? Mais um enigma, no finzinho da faixa.

Os gênios do Azymuth: Bertrami, Malheiros e Mamão.
Aqui Sérgio oferece o ombro, oferece ajuda ao amigo, afinal “a barra está pesada” mas “a barra pode aliviar”. Estranhamente ele diz que mora longe e pode “nem chegar”. Será que ele quer mesmo ajudar? Ou será que algo (ou alguém) pode impedi-lo de chegar?  Baladinha com uma levada bem bacana, alegre, levemente suingada. Pra variar o baixo é marcadão, dinâmico até o talo, fala, fala, fala, e fala bonito. Acho que uma das melhores linhas de baixo do disco é dessa faixa. Violão, piano e sintetizador se revezam (ou competem) na melodia principal, contrapostos pelas cordas. Apesar de ser um sonzinho suave, o instrumental no geral é bem dinâmico, e quanto mais a música se desenvolve, mais ele cresce. Do nada a bateria se quebra num jazzinho bem maroto, e a harmonia segue o embalo, logo se resolvendo novamente no tema inicial. Sensacional. E aquele acorde final, hein?  *__*

Bem mais enxuta que as outras faixas, apenas violão e voz. A melodia principal do violão simplesmente maravilhosa, tão ingênua e delicada, lindamente complementada por um violão (ou uma viola?) solo e pela voz do Sérgio, que nessa faixa salta aos ouvidos. Mais uma vez Sérgio se refere a família, agora a mãe, ressaltando sua origem simples,  a falta que o filho lhe faz, a possibilidade de ele nunca mais voltar, o amor materno.

10. Odete
Samba-choro danado! Não é muito diferente da “Cala Boca, Zebedeu”, a estrutura é basicamente a mesma, aquele suingue, as percussões, melodias, enfim. A diferença aqui está nas mudanças de andamento, nas quebras do ritmo, que se transforma de “samba de morro” pra “escola de samba” e logo em seguida “samba-rock”. Muito bem sacado. Essas variações aliás se encaixam super bem na letra. Aqui, Sérgio está preocupado com a Odete, com sua cabecinha “atrasada” e seu comportamento consumista. “E tudo isso com a preocupação, De ter na vida o bom de tudo e nada”.

11. Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua
O clássico que projetou Sampaio em nível nacional. Todo mundo pensa que Sérgio (e porque não, o povo brasileiro) ‘dormiu de toca, perdeu a boca, fugiu da briga, caiu do galho, morreu de medo, deu bobeira’. Mas não, ele quer é botar o bloco na rua, a boca no trombone, o ferro na boneca. É ao mesmo tempo um grito de liberdade individual e um ato político/social. Não a toa a canção fez muito sucesso (foi hit do carnaval de 73), caiu como uma luva pra época e milagrosamente NÃO FOI CENSURADA. A famosa marcha-rancho tem sua linha principal nos violões, tanto de base quanto o solo, que trazem a marca definitiva da música do campo. Pra complementar um baixo bem delineado e orquestras de cordas dando o contraponto dramático e “urbano”. Um acréscimo de trompete (creio) dá um toque bem latino pra coisa. No fim, um rufo de caixa deixa realmente a coisa com cara de marcha, marcadona, cheia, apressada. Os sintetizadores ainda estão lá, de forma bem mais singela, complementando a melodia nos graves, no fim da faixa.

12. Raulzito Seixas
“Eu queria gravá um negócio, rapaiz... tsc...” Voz, violão e um batuquezinho (acredito eu que gravado pelo próprio Raul), numa faixa bem curtinha, quase uma “vinheta” de encerramento. Um sambinha simples, direto, malandro. Nada mais. Com certeza, gravado num take só. Muito divertida, e foi bacana da parte do Sérgio prestar essa homenagem. O cara era muito generoso.


Bom, esse é o LP de estréia do Sérgio Sampaio. Uma estréia brilhante, diga-se de passagem. Foi um encontro muito feliz esse do cara com a galera do Azymuth (que oficialmente ainda nem existia) e a produção do Raulzito na parada. Arranjos maravilhosos, letras bem sacadas, gravação impecável. É um disco que de certa forma eu redescobri nessa pesquisa pro Blog, e fico muito feliz em poder comentar. Sampaio é um dos meus ídolos.

Sérgio e Raul, sabe-se lá quando...

É isso galera. No próximo post, o maldito "Tem de Acontecer", de 1976, um disco ainda mais brilhante que o primeiro nas suas composições e arranjos. Aguardem. Só pra lembrar, os títulos das faixas também são links para as letras, beleza? E pra quem não pode adquirir o disco, dá pra matar a vontade aqui no YouTube. Valeu!


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Raul Seixas 13 - Raul Seixas (1983)

Oi, eu sou o Salinas! Como se não bastassem os problemas de saúde, Raul já estava queimado com as gravadoras, pois há tempos seus discos não vendiam bem, e ficou 3 anos sem gravadora. Claro que sempre tinha um show aqui, um ali: de fome ninguém morre. Mas ele caiu no ostracismo. Foi só em 1983 que conseguiu um contato na Eldorado, através da Globo que lhe encomendou uma música para um especial, e que acabou sendo a famosa Carimbador Maluco, que lhe rendeu mais um apelido.

A ditadura está nas últimas, já é consenso que ela vai acabar, com o movimento Diretas-Já cada vez mais forte. Mas Raul sabe que isso por si só não resolve nada. As críticas sociais continuam, entremeadas com os costumeiros questionamentos filosóficos e poéticos. Mas tem também clássicos do rock, afinal já estava até com saudade deles (desde Raul Rock Seixas), tem também mais uma canção composta com o paizão Raul Varella, uma com Wilson Aragão e algumas parcerias com Cláudio Roberto. Kika Seixas, a atual companheira de Raul, também co-assina a maioria das faixas.

"D.D.I. (Discagem Direta Interestelar)" (Raul - Kika)

Raul começa o disco já com esse rock bacanudo e até meio pesado (não querendo usar, mas usando, as mesmas palavras de alguém). É uma das minhas faixas favoritas da obra do Raul! (aqui numa gravação preliminar caseira.) Inicialmente vão pensar que ele fala do Deus cristão, mas na real não tem divindade que goste do jeito que as coisas têm andado por aqui. Aí ele pega o orelhão e solta os cachorros na humanidade, que está "anarquizando a reputação dele" e prefere ficar "resmungando novena, terço e oração" em vez de agir. E explode com o questionamento mais foda da história: "O que que vocês querem exigir mais de mim / Se tudo o que eu faço vocês acham ruim?" Esse Deus humanizado com certeza foi inspiração, entre outros, pro sensacional USQ.

"Coisas do Coração" (Raul - Cláudio - Kika)

Outra declaraçãozinha marota de amor. Vamos com calma no "mastro da nossa bandeira se enterrar no chão", ok? A bandeira representa apenas a posse de um território, no caso uma união, estável e saudável (claro que no "famintos um do outro como canibais" é sexo, mas isso é só uma parte, de um todo muito maior). Seria a união dele com a Kika? Sentia-se finalmente feliz ao lado de uma companheira, um "nó que nunca se desfaz"? Eles não chegaram a se casar no papel, mas Raul provavelmente estava a fim de dar aquela ~iludida básica~, contando como será bom "quando" isso acontecer.

"Coração Noturno" (Raul - Kika - Raul Varella)

Outra das minhas favoritas. Raul notívago olha pela janela, de madrugada. A solidão, o silêncio, os ponteiros do relógio, a paz e tranquilidade que a Noite oferece para ajudar a nos clarear as ideias, e ao mesmo tempo a ânsia de antecipar o que virá no dia seguinte: "A frieza do relógio não compete com a quentura do meu coração". E quando finalmente o Astro-Rei inicia sua jornada, já é hora de se recolher aos aposentos, "guardar cada pedacinho de si pra si mesmo"e se despedir (em definitivo?), não com um boa-noite, mas com um "Bom-dia, Sol!"

"Não Fosse o Cabral" (Lewis - Versão: Raul)

Ok, os milicos já estão de saída, mas isso resolve alguma coisa? Raul descascou nessa faixa, escancarou a situação que já tava uma merda e não mudou nada: "Tudo aqui me falta, a taxa é muito alta". Claro que o problema está na "falta de cultura" da própria sociedade, que "cheira a fecaloma, canta La Paloma" (riminha tensa essa, hein), e achava que "ninguém chega à sua altura".  O pessoal tem essa mania de achar que a culpa é do ~contexto histórico~, a forma como o Braziw foi colonizado, e até certo ponto têm razão. O que não dá é pra ficar se escudando no que aconteceu lá atrás: "Que culpa tem Cabral?"

"Quero Mais" (Raul - Cláudio - Kika)

Faixa vencedora do selo EITA™ de safadeza, onde Raul divide os vocais com a gatona Wanderléa (na época né - aqui em um momento rock pauleira 80's com tecladinhos). No final, eles começam um bate-boca de mentirinha.

"Lua Cheia" (Raul)

Raul, cujo nome ao contrário é nada menos que ~Luar~ (*facepalm*), faz uma ode aos encantos, horrores, incertezas e contradições dessa que dá e toma, provoca e desilude, incendeia e congela, tudo ao mesmo tempo: a mulher.

"Carimbador Maluco" (Raul)

Aí a Globo pediu uma ~musiquinha aí~ pra dar uma força pro Raul, coitado, que tava meio baqueado... o cara aproveita que é ~pra criança~, e nasce o mito! Ele faz uma tremenda alegoria, nível Revolução dos Bichos. Em primeiro lugar esqueça as crianças. "Viajar pelo universo" é explorar o desconhecido, quem você é, de onde veio, pra onde vai. Claro que isso não é qualquer um, "tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado, se quiser voar!", ou seja, você precisa já ser alguém, ter o seu valor (lembre-se, "antes de ler o livro que o Guru lhe deu você tem que escrever o seu"). A Lua, aqui, representa o oculto, o místico, o sombrio. Conhecimentos que têm um preço (isso Raul já sabia desde os tempos da Sociedade Alternativa): "Pra Lua a taxa é alta". Já o Sol representa a divindade máxima, a iluminação, e não dá pra chegar a ele sem antes saber ao menos quem você é e o que quer da vida: "Pro Sol, identidade". Mas no final, claro, tem que ter a porradinha política de sempre: "Mas ora vejam só, já estou gostando de vocês (...) boa viagem, até outra vez" ilustra o compadrio, a corrupção, o "eu tenho contatos", enfim a filha-da-putagem burrocrática que há muito tempo contamina a coisa pública brasileira, e que com a desculpa de "ser apenas para o seu bem", no fundo é só uma bola de ferro no seu pé.

"Segredo da Luz" (Raul - Kika)

Faixa lenta e poética, onde Raul compara a si mesmo e a humanidade às estrelas. Afinal, somos feitos dos mesmos átomos, não somos mais que ajuntamentos de matéria, mas diferente das estrelas somos capazes das maiores proezas, como explorar o desconhecido e descobrir a verdade sobre nós mesmos. O escuro não é senão a ausência de luz, "é quando os meus olhos não podem enxergar", e luz é o que mais temos dentro de nós!

"Aquela Coisa" (Raul - Cláudio - Kika)

Aqui a mensagem é simples e direta. Não se prenda no seu passado, nas bolas de ferro que colocaram não no seu pé, mas na sua cabeça, e pule de cabeça no futuro. Busque novas coisas, novos contatos, novas ações, novos aprendizados, mas não fique aí olhando pro teto, porque aí sim, "talvez alguma coisa muito nova possa lhe acontecer". Destaque pro naipe de metais, sensacional no pré-refrão.

"Eu Sou Eu, Nicurí É O Diabo" (Raul)

Aqui neste mambo, que depois cai meio que prum rock, Raul pode estar explicando pela última vez que suas músicas não têm nada a ver com satanismo ou qualquer coisa, jogando a culpa genericamente no nicuri. Ou talvez esteja respondendo a críticas sobre sua saúde e sua bebedeira. "Eu sou eu, sou assim e pronto, e se tô mal, se tô se envenenando, o problema é meu!" Por falar nisso, "que é de Jango"? Sim, ele pode estar falando do ex-presidente João Goulart, que foi deposto pelos milicos (e mais tarde, suspeitava-se, morreu envenenado, conforme descobriu-se recentemente). Esta música foi defendida por Lena Rios no Festival de 1972, quebrando o galho pro Raulzito safadjenho poder participar do mesmo festival com mais de uma canção. Ele entrou com Let Me Sing My Rock 'n Roll (aqui em outra gravação).

"Capim Guiné" (Raul - Wilson)

Aqui Raul faz um desabafo sobre a sua carreira. Tinha dado duro, buscado contatos, trabalhado até altas horas compondo, foi chamado de hippie, maconheiro, foi ridicularizado, desacreditado, torturado. Mas aí quando seus discos começam a fazer sucesso todos viram amigos, aparecem companheiros, parceiros, comparsas, cupinchas, aproveitadores querendo tirar uma lasquinha do Mestre. Na verdade a música é do Wilson Aragão, que mais tarde também deu explicações sobre a letra: seu pai teria perdido um sítio devido aos grileiros, e fez a música criticando todo o sistema de então: grileiros, policiais, políticos, banqueiros, etc. E Raul aproveitou pois ela se encaixava em sua própria situação. Mas é curioso ela sair neste momento: Raul pensava ter voltado ao topo? Quando na verdade estava apenas resistindo contra a decadência que, a essa altura, era lenta mas já irreversível.

"Babilina" (Davis - Vincent - Versão: Raul)

Agora uns rockabilly aí, pra descontrair, né... esta é a "versão brasileira" de uma porrada do Ronnie Self. Não tem relação com a loja de brinquedos na Geórgia. No original ele só tava falando da curtição na balada tungz tungz com a minazinha foda dele. Já o Raul, hehe... descobriu por que a mina dele ganhava tão bem: ela era profissional da noite, mulher da vida, garota de programa.

"So Glad You're Mine" (Arthur Crudup)

Ironia amarga do destino. Raul quis fazer uma última faixa fodona, homenageando ao vivo Arthur Crudup, o "Pai do Rock", que convenceu o jovem Elvis Presley a começar na música. Mas, passados 30 e poucos anos dá pra ver, só na voz dele falando, que a situação não tava nada boa... já em 1983 ele tava aguentando firme pirambeira abaixo. Apenas.

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar no Youtube pode quebrar o galho nas boas casas do ramo... hã, não, é o inverso...

E é isso!


quinta-feira, 17 de abril de 2014

Raul Seixas 12 - Abre-te Sésamo (1980)

Oi, eu sou o Salinas! Depois do fracasso de Por Quem os Sinos Dobram, Raul deixou a WEA e voltou para a CBS, onde já tinha trabalhado como produtor. Lá encontrou o amigo Cláudio Roberto e gravou Abre-te Sésamo, com o qual recuperou um pouco da fama.

O disco contém dois hits, "Aluga-se" e "Rock das 'Aranha'" (no singular e entre aspas), e teve recepção um pouco melhor do público. Mas não muito.

Com a ditadura acabando, Raul volta ao ataque: várias cacetadas e críticas sociais (e as cores nacionais na capa, pra deixar claro pros milicos que no fundo, ele queria o ~bem do Braziw~), mas também com espaço para a introspecção e a consciência de que ele já não era o mesmo. Os tempos eram bicudos: apesar do conforto material, os problemas com a bebida continuavam. E apesar de estar já no quarto relacionamento (com Kika), acabou entrando no disco uma canção inspirada na ex Tânia, "Baby".

"Abre-te Sésamo" (Raul / Cláudio)

Mais uma vez Raul pensando nos destinos do País com sua música. A ditadura lentamente se acabava, a abertura já vinha a galope, mas os políticos-militares mostravam que eram os mesmos. "Ali-Babá e os 40 ladrões / Já não querem nada / com a Pátria Amada / e cada dia mais / enchendo meus botões". E ele, vendo a situação de penúria e "desnutrição" que desde sempre existe no País, apesar de tudo "é o primeiro dessa procissão" da esperança de um futuro melhor. Abre-te, Ditadura!

"Aluga-se" (Raul / Cláudio)

O grande clássico, que todo mundo adora cantar no karaokê! Foi regravada pelos Titãs e uma galerinha, uns caras aí e até pela filha dele. Essa é bem fácil, Raul critica o "puxa-saquismo" brasileiro em relação às gringolândias, em especial os EUA. Isso porque ele não viu a onda de privatizações nos anos 90...

"Anos 80" (Raul / Dedé Caiano)

Êta, essa levadinha country Raulseixística! Atacando até uma rumba lá no meio. Raul aposta todas as fichas na virada de década, desembestando na "charrete que perdeu o condutor" pra ver se a coisa vai logo de uma vez. E critica aquilo que tanto viu na década anterior, o mimimi por causa da repressão às letras ("É o juíz das 12 varas de caniço e samburá / Dando atestado que o compositor errou. / Gente afirmando não querendo afirmar nada, / Que o cantor cantou errado e que a censura concordou."), e principalmente à situação do País, que entra ano, sai ano, e não muda porra nenhuma: "Pobre país carregador dessa miséria / Dividida entre Ipanema e a empregada do patrão. / Varrendo lixo pra debaixo do tapete / Que é supostamente persa pra alegria do ladrão." Cara, verso sensacional! Em 4 linhas ele resume os três grandes problemas do Brasil: a abjeta desigualdade social, o maldito "jeitinho" e a supervalorização de aparências!

"Angela" (Raul / Cláudio)

Declaraçãozinha de amor jovem guarda, para as duas esposas: Ângela, de Cláudio, e Kika (que também era Angela), de Raul. Com indiretas sexuais, assim como foi com a Tânia. (Na real acho que era só do Cláudio pra Ângela mesmo... o Raul que quis botar a Kika na história só pra fazer uma média, já que tinha feito uma pra ex.)

"Conversa pra Boi Dormir" (Raul)

De novo Raul fala sobre a situação do país, que não anda nada boa. Lembra que lá atrás, desde "Jota Batista", pouco ou nada mudou. Googlei o "André Sedani" e acho que ele não existe, Raul deve estar torcendo pra que algum "André se dane", mas quem será André? Também parece alfinetar alguém em "Não tenho saco para ouvir artista / Comendo alpiste na mesma estação / Cantando regra com o rei na barriga / E só de preguiça não mudou o botão". Será Roberto Carlos, o Rei? (sabe-se hoje que ele apoiou a ditadura, mas será que Raul sabia disso já na época?) Outra evidência é a comparação com Nero, que "Com a mania de ser inventor (...) De tanto feitiço ele se enfeitiçou". E ainda o lance das cobras, "Falou que Deus não quis dar asa à cobra / Seria um bicho ameaçador / Mas tem uma peste delas avoando / Que o diabo fez, enquanto Deus marcou". Enfim, é outro daqueles episódios de briguinhas entre artistas, sempre muito classudas, mas... vamos combinar, desnecessárias.

UPDATE: Esse André citado é na verdade o André Midani, que na época era presidente do grupo Warner (concorrente da CBS), que apostava em nomes do rock brasileiro como Lulu Santos, Ultraje a Rigor, Titãs, Ira e Kid Abelha, entre outros. Raul deve estar aborrecido, com todo seu conhecimento musical, ter que aguentar essa "molecada" trazendo a nova onda. O choque de gerações, já na época...

"Minha Viola" (Raul Varella Seixas)

Esta foi composta pelo sêo Raulzão, o pai do Raulzito! Aqui não tem essa de significado secreto, o pai dele, coitado, não tinha nada a ver com isso. Ele era engenheiro na estrada de ferro, lá na Bahia, mas provavelmente tem origens no sertão: "Quando eu saí do meu sertão. Não tinha nada de meu. / A não ser esta viola que foi meu pai quem me deu." Mas na real, tem um toque autobiográfico, afinal Raul também saiu de seu sertão sem nada levar, só aquilo que ele é, sua "viola" ou sua musicalidade (que foi seu pai que lhe deu). E assim ele andou pelo País, cantando para ocultar sua tristeza (que ele já tinha detectado lá atrás, em Êta Vida, Ouro de Tolo e tantas outras), e sabendo que um dia morreria e que esse dia vinha cada vez mais perto: "Entrarei no céu contigo, quando minha hora chegar". Raul escolheu direitinho a homenagem pro paizão!

"Rock das 'Aranha'" (Raul / Cláudio)

Outra das minhas favoritas! Comecei a tocar baixo por causa do walking bass sensacional segurando nesse rockabilly. Aqui Raul põe pra fora seu lado machão (segundo Kika) e tira um sarro da diversidade sexual que, segundo ela, ele detestava. Será mesmo? Ou estará ele fazendo uma homenagem ao amor livre? Não sei, é melhor perguntar pro Raul chapadíssimo.

"O Conto do Sábio Chinês" (Raul)

Aqui Raul conta sobre uma famosa parábola do "sábio chinês" Chuang Tzu, que existiu de verdade. Ele sonhou que era uma borboleta, e ao acordar ficou sem saber se era um homem cujo sonho de ser uma borboleta tinha acabado de acabar, ou se pelo contrário, era uma borboleta cujo sonho de ser um homem tinha acabado de começar! (Uma leitura dessa fábula, mais "ocidental" e mecanicista, é que sabemos que uma reles borboleta não poderia jamais sonhar em ser gente, ao contrário da gente que, sendo "superior" à borboleta, é capaz de se imaginar na posição dela. Portanto, nós no mundo temos que ter consciência da nossa existência e dos nossos passos, e não viver como um animal. Mais ou menos o que Platão também disse, mais ou menos na mesma época do Chuang Tzu: "uma vida não questionada não merece ser vivida".) Mas na real, as fábulas e parábolas taoístas possuem um entendimento mais abstrato e complexo, e vão bem além das simples relações de causa e efeito que nós aqui no Oeste tanto valorizamos. Este é o Raul filosófico, desde bem antes de brigar com os milicos.

"Só pra Variar" (Raul / Cláudio / Kika)

Raul de novo acusando a pasmaceira da época dele. Em plena decadência da ditadura, ele queria mostrar pro galerê que tá liberando geral, bora aproveitar! Até mesmo encher a boca de cebola só pra sacanear o padre no confessionário, em plena vinda do Papa no Brasil! Mas o que ele quer mesmo, e aí é sacanagem das brabas, é "jogar no lixo a dentadura" (que todos já sabemos ser postiça) e fundar um partido novo!! Você já adivinhou quando ele vai fazer isso: com o fim da ditadura, claro!

"Baby" (Raul / Cláudio)

Letra polêmica. A novinha só tem 13 anos, mas com os hormônios à flor da pele. Tem quem veja pedofilia nessa letra, tem quem a use pra provar por a+b que o Raul é satanista e tudo que tem de ruim, etc... mas o fato é que ele compôs originalmente pra Tânia Menna Barreto (como ela mesma confirmou diversas vezes, até na internet), sobre um episódio que ela teve não aos treze, mas aos dez anos (ele trocou o número pra soar melhor na música). Ela chegou à puberdade, com todas as complicações que todos nós já passamos e conhecemos. O conflito entre a moral "assexuada" que a Igreja e a sociedade insistem em empurrar pra criança, deságua numa pororoca quando essa sexualidade começa a aflorar. Raul também já foi adolescente, e sabe de tudo isso: "Deus não é tão mau assim"! E não se incomode com os rubores e calores dessa fase, afinal "o inferno é o fogo do sol", ou seja, aquilo que a madre da escola reconhece como pecado, não é senão a beleza do seu próprio corpo desabrochando... é o chamado da natureza! Mas, ô muleque, respeita a novinha aí: "Quem manda é seu coração"!

"É Meu Pai" (Raul / Cláudio)

É a velhice chegando... Raul já tinha lembrado da viola do pai, agora de novo pede forças pra continuar. Tá sentido falta da família, cercado de ~amigos~ que só estão lá por conveniência, dependente de bebidas e drogas... tá feia a coisa.

"À Beira do Pantanal" (Raul / Cláudio)

Versão de uma canção da dupla Peter & Gordon, quase uma "dupla sertaneja à inglesa". Raul narra quando matou sua própria amada, numa de suas letras mais macabras. Quem será que ele matou? Não foi nem Edith, nem Glória, nem Tânia nem Kika, todas as suas mulheres até então. Ou será que ele estava "matando" a Tânia por causa da Kika? (e olha que depois da morte dele virou mó salseiro jurídico entre as esposas...) Ou será que ele estava matando a si mesmo? Outra que jamais saberemos...

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube.



E é isso!


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Raul Seixas 11 - Por Quem os Sinos Dobram (1979)

Oi, eu sou o Salinas! Depois de ter gravado o que pensava ser seu último disco, Raul continua seu tratamento contra a pancreatite, e eis que ele sobrevive! Mas nunca mais seria o mesmo: a lenta decadência já havia começado, e ele não repetirá mais o sucesso de Gita e Há Dez Mil Anos Atrás. Nesta fase ele se separa de Tânia Menna Barreto (a qual assina ainda uma das faixas), e ainda arranja uma bela confusão, quando Hugo Amorrotu, um dos faixa-pretas argentinos que ele contratou como guarda-costas, é encontrado morto em seu apartamento.

O disco foi composto em parceria com o também argentino Oscar Rasmussen, que na época dividia apartamento com Raul. A salada de estilos continua, agora também com reggae, e claro, sobrou também pros militares, os grandes inimigos do Raul. Mas dá pra ver claramente que o disco não tem a mesma pegada que os anteriores. O público percebeu que o Raul não tava legal, e o disco fez pouco sucesso.

"Ide a Mim Dada" (Raul / Oscar)

O disco abre num dos poucos ritmos que Raul ainda não tinha usado: o reggae. Um desavisado vai pensar que Raul está "chamando o pessoal" pra vir ouvir o disco, etc. Não, ele está usando um fato da época pra dar outra cacetada na ditadura, como de costume: o ditador Idi Amin Dada, que deu um golpe de estado no Uganda e tocou o terror (literalmente) durante quase dez anos, acabava de ser derrubado do poder. Pois é, ele dançou... é a "dança do Ide a Mim"! E Raul queria o mesmo no Brasil: "Quem dança comigo a dança do Ide a mim / Vai se viciar, não vai querer mais sair".

"Diamante de Mendigo" (Raul / Oscar)

Agora uma baladinha estilo jovem guarda. Raul ficou longe de sua família por vários anos, apenas usufruindo a fama e achando que isso lhe seria suficiente. Não bastasse isso, já estava com sua terceira companheira, duas delas tendo lhe dado filhas, sendo que nenhum desses relacionamentos foi tranquilo. Será tarde demais para perceber o quanto a família lhe fez falta?

"A Ilha da Fantasia" (Raul / Oscar)

Outro daqueles rockzinhos 2/4 com cheiro de country, assinatura inconfundível do Raul. Ainda influenciado pela ideia da morte, seria pelo menos uma fuga deste país que, talvez, não tenha mais jeito: "Vamos escolher bem melhores condições / Longe desse triste carnaval de ilusões". Ou a morte, ou então a saída do Brasil, para nunca mais voltar. Doente ou não, triste ou alegre, o fato é que ele já estava de saco cheio dos milicos! Ou talvez ele estivesse falando da morte mesmo, pra largar essa vida vazia, de bebedeira, que no fundo ele sabia que não valia nada.

"Na Rodoviária" (Raul / Oscar)

Salada geral. Raul parece estar viajando no pó e na cachaça, como aliás era seu costume na época. Ele contrapõe elementos da cultura ocidental com a muito mais antiga oriental: oboé e flauta (instrumentos de orquestra) com o sino (que já existia na China há milênios), Cinderela com Aladim, Abre-te Sésamo com James Dean, Al Capone com Bruce Lee, argumentando que no fundo é tudo a mesma coisa, a cultura ocidental não é senão um eco da oriental, com seus mitos, medos e verdades ~absolutas~. E usa a imagem da vela incendiando tudo, citando ainda Violeta Parra (uma das primeiras compositoras "políticas") e Nero, sim, aquele que tocou fogo em Roma por capricho. Mas o quê que ele quis dizer com isso tudo? Só ele sabe, lá onde ele tá.

"Por Quem os Sinos Dobram" (Raul / Oscar)

Num ritmo triunfal, heróico, corajoso, Raul fala sobre a união como caminho para a Humanidade evoluir. Já na época a tendência individualista se impunha, as pessoas cada vez mais competitivas enxergando no outro apenas inimigos. E ao chegar em casa no fim do dia, "sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo", não têm escolha a não ser se resignar, se convencer superficialmente. Enfim, uma crítica ao ego humano, que há milênios tantos tentaram apontar, e até hoje, sem sucesso. O título é uma referência ao livro de 1940 de Ernest Hemingway, que critica os absurdos e a violência da guerra desnecessária, e de onde veio a famosa frase: "não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti". Cada vez que alguém morre, cada um de nós morre um pouquinho enquanto Seres Humanos, transformando-nos, lentamente, de volta em bestas. Desgraçadamente, cada vez menos gente concorda com isso...

"O Segredo do Universo" (Raul / Oscar)

Raul, o profeta, o mestre, o guru espiritual de tantos, resolve fazer um rock, o primeiro pra valer há um bom tempo, pra dar a resposta que todos buscam incessantemente. O segredo está dentro do mambo! Preste bem atenção, nas notas, na célula rítmica, nos compassos. Sim, é ali que está o segredo! Em outros termos, Douglas Adams deu essa mesma resposta mais tarde, ainda mais resumida. Mas, brincadeiras à parte, o segredo está na consciência. As coisas apenas são o que são, cabe a nós parar de ficar conjeturando e começar a buscar a nossa felicidade, que só depende de nós mesmos. Se é que existe algo como um "segredo", é o que nos faz ficar presos à aparência das coisas, tentando explicá-las, buscando suas causas e consequências em vez de simplesmente desfrutá-las tais como são.

"Dá-lhe que Dá" (Raul / Oscar)

A esta altura, não há muita dúvida sobre o que ele diz. Claro, em 1979 a ditadura já não era a mesma, e já dava sinais que ia acabar mesmo. Mas, depois de 20 anos de tortura, "circulando" e aulas de OSPB, Raul profético já imaginava a merda que daria (ou não) largar toda uma geração cultural/politicamente reprimida no meio de uma democracia.

"Movido a Álcool" (Raul / Tânia)

Guisado de metais ao molho de baixo slap: essa é outra das minhas faixas favoritas! Raul critica o Pro-Álcool, que o governo criou para tentar fugir da crise do petróleo. Raul, o economista bêbado, criticando o "carro-centrismo" que hipnotizava o País desde JK, informa que a birita vai ficar mais cara, que no fim quem paga o pato é sempre o povo: "Por que que o posto anda comprando tanta cana / Se o estoque do boteco / Já está pra terminar". Mesmo que o álcool seja renovável e o petróleo não, isso não importa. Pra ele, é como se estivesse tirando dos poetas o direito de criar, já que para as suas letras (um produto ~derivado~ do álcool) só havia repressão do governo, enquanto o mesmo álcool podia empurrar carros sem problemas. Não havia Gurgel mais ~movido a álcool~ do que ele próprio!

"Réquiem para uma Flor" (Raul / Oscar)

Raul fecha o disco numa faixa poética, lamentosa, grave, resignada. Não somos senão "frutos do mundo", ou seja, influenciados pelo que nos rodeia, nossa época, nosso local, nossas pessoas. Vemos tudo que há de errado, mas por mais que se leia e estude, sempre estaremos "dentro da caixa". E assim não conseguimos questionar e mesmo entender plenamente o porquê de tudo isso. E em espanhol ainda, pra dar mais destaque: "Incapaces los hombres / Que hablam de todo / Y sufren callados"

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube.



E é isso! No próximo post continuaremos a sequência com Abre-te Sésamo. Até lá!


sábado, 5 de abril de 2014

NIRVANA III – Incesticide (1992)




Incesticide foi uma compilação lançada em 1992 para acalmar os ânimos dos fãs que ansiavam por novidades do Nirvana, após o estouro do Nevermind. Já que o álbum com inéditas (In Utero) iria demorar mais para ser finalizado, a jogada foi garimpar raridades e lados b de singles gravados entre 1988 e 1991.
O resultado é um álbum um tanto diferente. Tem músicas que trazem a sonoridade característica que consagrou a banda no álbum anterior, porém há músicas com uma sonoridade bem diferente, o que também serve para mostrar ao público que o Nirvana é uma banda de múltiplas influências e aberta à diversidade.
A capa é uma pintura de Kurt, que foi creditada como Kurdt Kobain.

1- "Dive" – 3:55 (Cobain/Novoselic)
Uma boa pedida para abrir o álbum. Pesada, gritada, mas com andamento mais suave. Letra crítica, pra variar, que fala sobre a necessidade de ser aceito e ir até as últimas consequências em função disso.
Dive havia sido lançada anteriormente como single em 1990, junto com Sliver, e também entrou para uma coletânea da gravadora SubPop chamada The grunge Years, lançada em 1991.

2- "Sliver" – 2:16 (Cobain)
Minha favorita do álbum. Entraria num dos outros álbuns fácil. Foi originalmente lançada como single em 1990 pela SubPop, junto com a música anterior.
Vejo a letra como uma piada, mas também uma crítica a ser obrigado a fazer o que não quer.
Curiosidade, quem toca bateria nessa faixa é Dan Peters, que também tocou depois com o Screaming Trees e com o Mudhoney.

3- "Stain" – 2:40 (Cobain)
O baixo aparece bem marcado aqui, a guitarra distorcida dá o tom. É possível perceber que é mais crua que as anteriores, mais próximo do Nirvana de Bleach que do Nevermind.
Foi lançada inicialmente no EP Blew, de 198.É possível perceber até que é mais antiga até pela tipo de gravação. O som aqui surge até um pouco mais “abafado”.
Há quem diga que a música é em homenagem ao guitarrista Dave Mustaine, a quem Kurt admirava. Ouça com atenção o refrão “I'm a stain” e pense em: “I'm Mustaine”...

4- "Been a Son" – 1:55 (Cobain)É das mais popzinhas do álbum. Dá pra ouvir no churrasco de domingo, com a família. Riff de guitarra fácil e grudento, sem gritos.
Algumas pessoas defendem que a letra fala de Courtney Love, vocalista do Hole, com quem Kurt se casou, de pijama, em 24 de fevereiro de 1992 no Hawaii. (curiosidade, a filha do casal, Frances Bean Cobain nasceu em agosto do mesmo ano).
Ao meu ver a letra fala da mulher, de modo geral, enquanto gênero e do machismo. Kurt, como feminista que era, traz novamente a questão a tona, dizendo que “ela” deveria ter feito sua mãe orgulhosa, deveria ter se destacado, portanto, deveria ter sido “o filho”.

5- "Turnaround" (Gerald Casale/Mark Mothersbaugh) – 2:19
Cover do Devo (!). Mais uma vez a banda surpreende com uma inusitada cover. Muito bacana, aliás, por ter a “cara” da banda, sem perder o toque da original.

6-"Molly's Lips" (Eugene Kelly/Frances McKee) – 1:54
e
7- "Son of a Gun" (Eugene Kelly/Frances McKee) – 2:48
Ambas covers do Vaselines, uma das bandas favoritas de Kurt.
Foram lançadas anteriormente no EP Hormoaning, também de 92, que saiu apenas no Japão e Austrália. As gravações são de 1990, do programa da BBC John Peel Session.

8-"(New Wave) Polly" (Cobain) – 1:47
Versão um “pouco” diferente daquela lançada no Nevermind.
Mais rápida, com mais pegada. Gosto menos, mas não deixa de ser muito boa.

9- "Beeswax" (Kurt Cobain) – 2:50
Difícil essa hein? Dissonante. Muita microfonia, distorção e desafinação. Mas tem uma bateria incrível, e aquela dinâmica com uma (quase) pausa no meio.
Bem, a letra, melhor nem comentar. Piração total.

10- "Downer" (Cobain) – 1:43
Voltou a ser lançada aqui, porque havia saído como faixa bônus em apenas algumas cópias de Bleach.

11- "Mexican Seafood" (Cobain) – 1:55
Encaixa bem na sequencia da anterior. Difícl comentar a letra, escatologia pura.

12- "Hairspray Queen" (Cobain e Krist Novoselic) – 4:13
E essa então? Kurt Desafinando propositalmente, pra incomodar os ouvidos mais sensíveis, e a guitarra mais distorcida impossível. Muita dissonância.
Mas tem aquela bateria bem legal, com viradinhas bem colocada, e uma condução que dá o toque. Há boatos de que ao ouvir a faixa de trás pra frente é possível identificar claramente todas as palavras que ele canta.

13- "Aero Zeppelin" (Cobain e Novoselic) – 4:41
Essa faixa nem parece Nirvana. Poucos reconheceriam a banda numa audição “às cegas.”
É bem metal mesmo, com vocal limpo, solinho de guitarra, bateria marcada e o baixo bem pesadão dando um clima um tanto sombrio.
O título remete às bandas Aerosmith e Led Zeppelin, parece que foi uma homenagem a essas grandes bandas. Mas a letra é uma crítica à sociedade de consumo.


14-"Big Long Now" (Cobain e Novoselic) – 5:03
Vem na mesma linha da anterior, mais metal, porém um tanto mais sombria.
Me lembra um pouco aquelas bandas de metal gótico, sei lá, tipo Type O negative, ou algo assim.
A letra também é bem deprê. É a bipolaridade de Kurt gritando alto. Ou está narrando um encontro alienígena.

15- "Aneurysm" (Cobain/Novoselic/Grohl) – 4:36Sem dúvida, a melhor do disco. O cheiro do espírito jovem que só o Nirvana tem.
É pra terminar quebrando tudo!

Dá pra ouvir o álbum todo aqui:


sexta-feira, 4 de abril de 2014

EngHaw – 7° Gessinger, Licks & Maltz

Olá, pessoas! (:

Em 1992 é lançado o sétimo disco da banda, “Gessinger, Licks & Maltz”, inspirado na obra da banda britânica de rock progressivo “Emerson, Lake & Palmer”.                          

                           






Último álbum de estúdio e auto-produzido nessa formação, um dos primeiros no Brasil a utilizar “auto-tune”, hoje muito utilizado em músicas pop, e um trabalho mais sincronizado e harmonioso do que nunca no trio! 
Parece ser o clímax da banda nessa formação, quando cada um fez tão linda e talentosamente a sua parte, que a obra ficou perfeita... É considerado um marco na história da banda! Embora não seja o de mais hits emplacados (apenas “Ninguém=Ninguém” e “Parabólica”).





Uma das mais (pra não dizer a mais) populares do álbum, com uma introdução deliciosa, calminha, lembra maresia... E cresce com os riffs da guitarra e a bateria. Com uma frase emprestada de “A Revolução dos bichos –George Orwell”, (Uns mais iguais que os outros), ela fala da diferença entre as pessoas, coisas, formas de pensar, e como, mesmo com tamanhas diferenças, sejamos tão parecidos nas atitudes.
São todos iguais e tão desiguais/Mas uns mais iguais que os outros”.

Um lindo casamento entre a guitarra genial do Licks, um prato marcado que cresce na bateria energética do Maltz, e o poderoso baixo Guessingeriano. Ela começa com um barulho de porta abrindo, como um preludio de um encontro que promete conflito... 
E ao longo da música, soa como uma tirada de satisfação:
Me Achas lento/Quando atravesso a escuridão/Por um momento eu me sinto/Como um dardo em suas mãos [...] Até quando você vai ficar sem saber o que quer de mim?”.

Genial e apaixonante! Como já é de costume da banda “redesenhar” as músicas, Sampa no Walkman ganha sua irmã em um ritmo contagiante e charmoso, num tipo de tango... (embora em um trecho ele cante “Sinto muito blues”. Seria blues? Não tenho conhecimento pra discernir) E num clima de desistência, a letra fala de uma relação complicada, entre pessoas completamente diferentes, no momento errado, tentando escrever uma história impossível.

Um pouco mais lenta, com efeitos eletrônicos mais evidentes, e um clima um tanto melancólico.
Enigmática, saudosa, reflexiva, sofrida. 
Há vida na Terra/Há chances de erro/Não há nada que possa nos proteger”.

Começa num corinho respondendo a voz quase missionária do Gessinger, acompanhados de um violãozinho, e depois cresce em riffs de guitarra tão nervosos quanto os versos que seguem.
“Triste vocação/A nossa elite burra se empanturra de biscoito fino/
Somos todos passageiros clandestinos dos destinos da nação.
Triste destino, engolir sem mastigar/ 
Chuva de containers/Entertainers no ar... noir [...]
Falta pão (O pão nosso de cada dia)/
Sobra pão (O pão que o diabo amassou)”.

6. Pose 
Ao piano, com clímax acompanhado da bateria e guitarra,  um retrato do mundo em decadência, envenenados com uma ideia de “modernidade” imoral, tortuosa, destoando de seu clima de quase ingênua esperança, de “Remar contra a corrente” e reverter o estrago.

Piano novamente bem marcante, uma mistura de ingredientes (inverno + escuridão) que resultam em “Um corpo que se deita/Na solidão de uma cama desfeita/Um corpo em tempestade/Agora já é tarde...”.
“Só depois de perder, você descobre que era um jogo
Um jogo que não acaba nunca, nunca acaba empatado
Se foi um jogo, você ganhou: Eu perdi a direção
Se foi um sonho, se foi o céu, eu não sei
Eu que não sei perder, perdi o sono, na escuridão”.

Uma coletânea de sonhos, imagens controversas, “O Suprassumo da contradição!”.
Pesadelos, com horror reformado, “Paz na Terra em transe profundo”.

Só ao violão, pianinho, como uma canção de ninar, não à toa. A canção foi escrita pra sua filha, nascida no começo de 1992, Clara. Uma fofura! *-*
“Se a TV estiver fora do ar quando passarem os melhores momentos da sua vida
Pela janela alguém estará de olho em você, completamente paranóico
Prenda minha parabólica/Princesinha Clarabólica [...]
Longe, longe, longe (aqui do lado)
(Paradoxo: Nada nos separa).”

Uma auto-análise “cara a cara” de alguém, depois do jogo perdido. Fundamental para a conquista de sí, a reflexão de seus atos... Regada de belos solos de guitarra, num clima tão amargo quanto a letra...
“Eu roubei quase tudo que eu tenho só pra chamar tua atenção
E, quando cheguei em casa, vi que lá morava um ladrão
Eu perdi quase tudo que eu tinha, a paz, a paciência, 
A urgência que me levava pela mão [...]
Nunca mais saiu da minha boca o gosto amargo da palavra traição
Nunca mais saiu da minha boca nenhum elogio a nenhuma paixão”.

Uma continuação da conquista do espelho, literalmente. As gravações são amarradas... Melancólica, angustiada, regada de solos maravilhosos do Licks. A melhor conclusão a que se pode chegar depois de um balanço negativo durante a conquista do espelho: “Problemas... Sempre existiram.” (e sempre existirão!).
“As mentiras da arte são tantas, são plantas artificiais
Artifícios que usamos para sermos ou parecermos mais reais
Um pedaço do paraíso, uma estação no inverno
Uma soma muito, muito, muito maior do que as partes, a mentira da arte.”

A irmã de “A Conquista do Espelho”, mas tenho a impressão que a antecede, embora venha por fim ao álbum. “Cara à cara (a conquista do espelho)/ Passo à passo (a conquista do espaço)”.
Em uma dimensão além da terra firme.
Um “Gran finale” um pouco mais animado no corpo e final com referência à “Ninguém = Ninguém” e “Pampa no Walkman” com a melodia de “Sampa no Walkman”.

O jeito EngHaw de produzir álbuns tem a ver com uma obra integral, “uma soma muito, muito, muito maior do que as partes...” e não apenas um apanhado de músicas gravadas em qualquer ordem, preenchendo o CD.
Vale super a pena ouvir o disco na ordem que foi pensado, dá um novo sentido pra quem ouve aleatoriamente.

Então, fica a dica! Rs.

P.S.: Esse link dá pra uma lista de reprodução com o CD completo, em sequência.

Obrigada por ler!
Até o disco ao vivo “Filmes de guerra, Canções de amor”!

Tchau!

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Raul Seixas 10 - Mata Virgem (1979)

Oi, eu sou o Salinas! Depois do sucesso relativo do último disco, Raul começa a ser importunado por um novo inimigo, que o acompanharia até o fim da vida e viria a matá-lo: a pancreatite. Os maus hábitos e a bebedeira começavam a cobrar seu preço, e ele resolveu ir pro interior da Bahia se tratar. Lá conheceu Tânia Menna Barreto, que passou a ser sua companheira e participa em algumas letras.

Outro que voltou foi o Paulo Coelho. Depois de alguns desentendimentos, eles resolveram tentar mais uma vez, mas acabou sendo a última. Eles seguiriam por fim cada um seu caminho.

Esse disco de fato é diferente dos outros. Praticamente não há rock, embora as costumeiras críticas à ditadura continuam. Raul claramente está influenciado pela situação, que não é crítica (ainda) mas inspira cuidados. Toda aquela carga filosófica sobre a finitude da vida ganha um novo contorno para ele, agora que vê a morte mais de perto. Raul chega a pensar que esse será seu último disco. Isso fica muito claro na última faixa, que traz um simbolismo de conclusão do raciocínio depois de tanto pensar em torno de um problema. Ele aproveita até pra dar um último tapinha nos charlatães, ~doutores~ da ciência e sabes-tudo em geral!

"Judas" (Raul / Paulo)

Uma das faixas mais agressivas de Raul, aqui ele comprou briga não com os militares, mas com os religiosos. Entra com o pé no peito, percussão comendo solta numa pegada meio discoteca 70's, se colocando no lugar de Judas. Argumenta que, se não fosse por ele, seu mestre teria sido apenas mais um, e talvez o Cristianismo não conseguiria a influência que veio a ter. Mas claro que tem uma leitura política... quando ele fala "lá em cima, lá na beira da piscina" não está falando do Céu cristão, e sim de Brasília! E as tais "escrituras" feitas lá das alturas seriam as leis, que eles impunham (impõem?) goela abaixo do povo "e não me perguntam se é pouco ou demais".

"As Profecias" (Raul / Paulo)

Começa muito lenta, só voz e um pianinho bem discreto, caindo num forró lento. Raul olha para a "chuva caindo na vidraça, num dia de maio ou abril", e pensa nas profecias sobre o fim do mundo. Talvez ele tenha dito de propósito "maio ou abril", assim ao contrário, para ocultar a crítica, mas em termos de métrica poderia muito bem ser "março ou abril". E nesse caso seria uma referência clara (ou nem tanto) ao golpe de 1964, chute inicial da ditadura (com biqueira de aço e ponta afiada), que aconteceu entre os dias 31 de março e 1 de abril. E nesse caso as profecias sobre o fim do mundo não seriam senão sobre o fim da ditadura, claro, como já diziam os "loucos que escrevem no muro".

"Tá na Hora" (Raul / Paulo)

Uma pegada de música infantil, quase só com acordes maiores, percussãozinha marota. Muito comédia aquela cuíca lá no fundinho. Já na época o "senso comum" era buscar a vida pronta, empacotada, industrializada, nos produtos e aparelhos mirabolantes da ciência que transformam a experiência da vida em um ~filme~. Até que um dia chega a velhice, e só então a pessoa se dá conta que passou sua vida inteira e sem nunca ter sido livre. Raul já tá achando que "tá na hora" dele, veja você...

"Planos de Papel" (Raul)

No começo parece até que Raul está mais uma vez criticando o consumismo dos nossos tempos, quando "passa 7 dias úteis traçando 9 dias fúteis", mas o tom aqui é mais pesado... estaria Raul pensando em suicídio? Ou percebeu que já estava fazendo isso, aos poucos? "no contratempo do meu leito / Guardo um punhal cravado ao peito". A depressão também aparece, em "o que me importa nesse instante / É esse não me importar constante / Esse sorriso que eu guardei / Nessa gaveta a qual fechei / Pra mim dormir".

"Conserve Seu Medo" (Raul / Paulo)

Batera já na entrada pra acordar a galera! Confirmando a faixa anterior, Raul tá percebendo a temeridade de seus excessos. E dá um conselho pros amigos: sim, vá em frente, aproveite a vida, mas "cuidado, muito cuidado!" Destaque no finalzinho ele fechando com uma virada, não de bateria, mas de beatbox: "Prácuco-prácuco-prácuco-cum... vurum, vrum!"

"Negócio É" (Cláudio Roberto - Eduardo Brasil)

Mas também não é pra tanto... neste baião ele põe um contraponto ao fatalismo das duas faixas anteriores. Como diz o meu vô, no contexto futebolístico mas valendo pra vida: "Tem é que ir pro pau memo... jogar pra ganhar!" Sem medos, sem reservas, sem se esconder na segurança das caparaças, enfrentar o futuro de peito aberto e coragem, sempre! Ironicamente, a única faixa realmente "positiva" do disco é a única que ele não escreveu. Tá feia a coisa...

"Mata Virgem" (Raul / Tânia)

Ok, chega de tristeza e preocupação com o destino... agora Raul tá de namorada nova! A faixa é carregada de sentido sexual. Nos refrões, é Tânia quem fala, referindo-se à sua virgindade: "Qual flor de uma estação, botão fechando eu sou, / se amadurecendo pra se abrir pro meu amor". Em seguida é a vez do próprio Raul, descrevendo-a: "é capinzal noturno escudo denso o protetor / de um lago leve morno teu oásis seu amor".

"Pagando Brabo" (Raul / Tânia)

Raul e Tânia continuam seus marotos devaneios noturnos. A coisa tava boa na Bahia, ah se tava... (Mas a relação não durou muito: no ano seguinte eles se separaram.) Destaque para a guitarra de Pepeu Gomes.

"Magia de Amor" (Raul / Paulo)

De novo Raul pensando na finitude da vida. E num lampejo escapista, lembra a lenda do imortal Conde Drácula, e todo aquele mise-en-scéne do brilho dos olhos, a capa, o beijo, etc. O próprio Paulo Coelho mais tarde teria escrito um certo "Manual Prático do Vampirismo", mas ao que parece o livro era tão ruim que ele mesmo o tirou de circulação. (mas é só porque foi antes da série Crepúsculo: aí sim ele viu que no fundo do poço tinha um alçapão). Ainda bem (bem?) que temos a internet...

"Todo Mundo Explica" (Raul)

Enfim, depois de pensar tanto no amor, na vida e na morte, numa pegada meio big band, Raul chega à conclusão que, afinal de contas, pra que tudo isso? No fim é o que as filosofias e religiões já diziam há muito tempo, muito antes de Cristo ser traído: as coisas são, e pronto. Não há respostas porque não há perguntas. E não há perguntas porque não há respostas. Ele mesmo, não devia se importar tanto com a morte fisica, pois "Lá dentro, não do corpo, mas lá dentro-fora / No coração, no sol, no meu peito eu sinto (...) Que eu tô vivo, vivo, vivo como uma rocha", ou seja, ele tinha consciência de que seria lembrado, de que sua vigorosa marca no mundo já estava feita! E com isso aproveita pra dar um peteleco (o último?), usando a imagem de Sigmund Freud, o tal "Dr Don Sigismundo": não adianta sair lendo teoria, ou pior, vendendo a receita de bolo pronta, sem viver a vida na prática, como ele viveu! "Antes de ler o livro que o guru lhe deu você tem que escrever o seu!"

Mais infos sobre o disco, aqui. E quem não encontrar nas boas casas do ramo pode quebrar o galho no Youtube:



E é isso!